MARIA DE LOURDES DA SILVA*
A rígida, punitiva, hierárquica, tradicional e elitista educação
escolástica, que tinha á frente os jesuítas, transmissora de conhecimentos
memorizados, teve seus pressupostos teóricos e práticos abalados, quando o
filósofo Jean- Jacques Rousseau se lhe antepôs , com suas idéias iluministas,
revolucionárias, à frente do seu tempo, publicando e anunciando à comunidade
europeia do século XVIII seu livro Emílio ou da Educação, onde o ilustre
pensador de Genebra apresentava um novo paradigma às concepções de infância e
de educação.
Até então a criança houvera sido tratada como miniatura de adulto pela
sociedade e pela Igreja, senhora da pedagogia de então. Cobrava-se-lhe a
etiqueta, a linguagem, o comportamento, os hábitos, o gestual e o entendimento.
Punia-se-lhe como se fosse um adulto. E, consequentemente,
ensinava-se-lhe com uma educação repleta de palavras e livros, num conteudismo
castrante e entorpecente, onde o indivíduo saberia dizê-los inteiros de cor,
mas decerto que não lhes saberia explicar o sentido com suas próprias palavras
e ou experiências de vida, mas conseguindo sempre aprender a recitar como um
papagaio.
A partir da publicação de Emílio Ou Da Educação,
forte comoção abalou os pilares da Pedagogia Escolástica. Abalo tão profundo
que, sabe-se, Emílio e o Contrato Social foram queimados em praça pública.
Àquela época fez-se isto para demostrar o poder da Igreja Católica, e em nossa
época, sabe-se disto para que se avalie o quanto eles o temeram, ainda que
Emilio tenha sido escolhido HOMEM, branco, francês e
rico!
Na exposição de motivos, o autor declara entre
outras coisas que nem os negros nem os lapões têm o equilíbrio dos europeus .
Para ele “o pobre não precisa de educação” e confessa-se também avesso ao que
hoje se chama de inclusão, quando diz “eu não me encarregaria de uma criança
doentia e caquética (...)inútil a si mesma e aos outros",
remontando talvez ao costume da sociedade espartana.
Assim, excluindo negros, pobres, deficientes
físicos e mulheres, Rousseau desenvolve sua idéia de educação que, apesar de
todas essas exclusões, que já constavam na práxis pedagógica
daquela teoria escolástica à qual ele criticava , era inovadora, instigante e
revolucionária, porque se debruçava sobre um tempo e um espaço da vida
humana aos quais ninguém havia ainda se debruçado, devotando-lhe um olhar
filosófico, pedagógico, político e afetivo, a infância!
Quanto à mulher, que vai aparecer no Emílio ou Da
Educação, no quinto livro, pois os quatro anteriores são dedicados a educação
do garoto, desde às fraldas até a adolescência, Jean-Jacques lhe reserva
conceitos e papéis total e absolutamente de segunda classe, embora muitas vezes
tente dizer e efetivamente o diga, que a fragilidade da mulher comanda a força
do homem, mas sempre escorregando no conceito moral de que ela assim o consegue
porque faz parte de sua personalidade ser frívola, dissimulada, coquete,
aduladora, sabendo muito bem disfarçar!
Ali seus direitos como cidadã não são reconhecidos.
Toda sua educação deve ser voltada para a sua relação com o homem. Ela
deve aprender a ser-lhe útil, agradável, doce, deve aprender a cuidá-lo,
consolá-lo, honrá-lo e educá-lo. Só interessa ensinar-lhe o que ela
vai usar para servir a ele; fora isto, ela deve ser ensinada a sufocar suas
emoções, a obedecer, a dominar suas fantasias e seus sonhos para aprender a
submeter-se à vontade de outrem. Que aprenda " desde cedo, a sofrer até
injustiças e a suportar os erros do marido sem se
queixar". "A mulher é feita especialmente para agradar ao
homem". Ele, nem tanto a ela!
Sem usar a palavra estupro, Rousseau busca na
Bíblia, no livro de Deuteronômio, um livro escrito por Moisés, uma coleção de
seus sermões a Israel antes da travessia do rio Jordão, no Antigo Testamento,
os estudiosos calculam que o ano era 1.410 a.C., em seu Capítulo 22, uma
lei que, em seu tempo, teria aproximadamente três mil e trezentos anos,
sobre mulheres serem abusadas e morrerem às portas da cidade, apedrejadas, por
haverem sido usadas por homens aos quais não pertenciam; se fosse na cidade
morreriam os dois de pedradas, e se fosse no campo ela estaria isenta da morte
pois houvera gritado e ninguém lhe ouvira. Ele cita o Deuteronômio para
explicar que essa interpretação benigna ensinaria às jovens a não se deixarem
surpreender em lugares frequentados.
O filósofo de Genebra argumenta com fervor sobre a
defesa da desigualdade. É contraditório que o filósofo que inspirou a Revolução
Francesa acredite que a mulher que se queixa da injusta desigualdade que o
homem impõe, não tem razão, pois" essa desigualdade não é uma instituição
humana" nem "obra do preconceito", e sim da razão. Claro,
da razão dos homens!
Mas a Revolução Francesa, por sua vez, não foi
precursora de direitos da mulher, embora já houvessem mulheres feministas
naquele movimento e naquele tempo, às quais não escaparam à guilhotina,
justamente por defender a igualdade, como Olympe de Gouges, pioneira do
feminismo, filósofa e dramaturga, que escreveu a Declaração dos Direitos da
Mulher e da cidadã em 1791 e Madame B. de B. ( uma burguesa que
usava esse nome para pronunciar-se na época iluminista) que escreveu o Caderno de queixas e reclamações
das mulheres, onde reclama que se comente apenas sobre a libertação dos negros,
enquanto se permanece em silêncio sobre a emancipação das mulheres.