domingo, 14 de julho de 2019

Pobre é o diabo. Que bobagem!

A mulher estava sentada num banco da agência de viação e transportes  , em Itabuna. Exalava de si um cheiro fétido e pútrido. Roupas em andrajos. Chinelos onde faltavam o  lugar de descansar os calcanhares. Cabelos desgrenhados, ela toda era uma sujeira..
Parei diante dela. Eu tinha dois cartões de passagem Itabuna Olivença, que não havia usado, e pretendia vender.
Em pé, ao seu lado, o companheiro. Tão fétido e sujo e descabelado quanto ela.
Contemplei-os!
Então vi que ela era vesga, e que seus olhos estavam quase colados, fechados,  cheios de remela e prurido ao derredor.
Ah, a saúde pública!
Resolvi dirigir -he a palavra,  e disse-lhe:
-Olha, a senhora tem que providenciar limpar esses olhos, nem que seja com um soro fisiológico!
Imediatamente, a mulher me respondeu que aquilo eram espíritos malignos que estavam tomando seus olhos e todo o seu corpo.
Redargui que não era espírito nenhum,  que era a pobreza e a miséria e a falta de assistência do governo ao povo e ela então sentenciou:
-Pobreza não, eu não sou pobre. Pobre é o diabo!
Como assim o diabo é pobre? Pensei logo nas torneiras de ouro da mansão de #dir Macedo, no avião de Malafaia , ou é de Feliciano? Na fazendo de um milhão de reais de Valdomiro, nos imóveis do clã Bolsonaro.... Oxente.... O diabo é rico!

domingo, 12 de maio de 2019

Racismo no Brasil é uma Instituição

Família grande. Seis irmãos homens. Três  mulheres. A equação era tão complicada na cabeça de meu pai, que quando ele fez a casa, construiu para os rapazes um quarto grande, na parte de baixo, tipo um porão. Em cima, ficávamos nós, as moças, e os mais novos, além deles dois, o pai e a mãe.
Essa estrutura já dizia muita coisa da sociedade em que vivíamos. Os homens tinham entrada independente, as mulheres estavam sob a guarda do patriarcado.
Quando eu nasci eles já eram grandes, uns,  adultos, uns , namorando pra casar. Eles namoravam moças brancas, bonitas, e do bairro.  Naquela época, década de sessenta do século passado, o bairrismo era predominante, e se subisse um rapaz de outra comunidade, para visitar uma moça dali, ah, eles botavam pra correr! Já viu que coisa!?
Meu pai era negro e minha mãe era branca. Naquela época não havia essa ideia. Isso é coisa minha. Meu pai era considerado tipo um mulato. O que eu quero dizer é que , resultado disso, nós éramos uma família com pessoas de variados tons de pele e variadas  texturas de cabelo. Meu pai era alto e minha mãe era baixinha, então também tivemos estaturas distintas.
Meu Deus, foi uma bagunça! Imagine o Brasil há sessenta anos atrás: não tinha nem oitenta de abolição da escravidão! Se nos dias de hoje, o Exército brasileiro metralha com oitenta tiros o carro de um homem negro, inocente, com seu filho, sua esposa e seu sogro dentro, e o assassina, apenas porque ele era preto, como estava a situação de quem era preto há seis décadas atrás, diante da polícia, na escola, na família, na sociedade, para arranjar emprego, em todo o seu contexto político, social, econômico?
Durante muito tempo fiquei brigando com os apelidos que me botavam. Fiquei zangada para sempre, mas a zanga só machucou a mim mesma. Todos seguiram. Eu fiquei. Queria ficar ali, culpando-os. Mas eles foram vítimas também. Fiquei lá , emburrada, dentro de mim mesma, fiquei lá na  Nega Keketé, nega trubufu, nega pau de tifuti... eles eram todos mais claros que eu, e pensavam, então, que eram brancos, talvez ainda pensem. E acreditavam na superioridade dos brancos. Talvez ainda acreditem.  Eu não pensei nem acreditei, eu sofri os reveses e se me forjei rebelde, combativa, transgressora e, por fim, revolucionária, além de professora e mãe, não necessariamente nessa ordem.
Não, "Presidente", o racismo não é uma coisa rara no Brasil, como você cinicamente vituperou na TV, o racismo no Brasil é uma Instituição, que por séculos foi sustentada pela Igreja, pela Escola, pela Família, pelos Meios de Comunicação, pelas músicas, pelas telenovelas. Meu professor de Educação Moral e Cívica na 7a. série fazia chacota do meu nariz, e ele era negro também!
De uns anos pra cá, conseguiu-se  abrir o diálogo sobre racismo no Brasil. Livros, Conselhos, Organizações, ativistas do Movimento Negro, artistas, dando voz à negritude.
Mesmo assim, pretos, quando a polícia mata, ela só quer matar de penca!
Agora estou eu enfrentando de novo, tudo. Mas eu saí da Trubufu, abracei-a, beijei-a e a guardei amorosamente dentro de mim. Não me importa mais do que vocês me chamavam. Não importa mais o que pensavam de mim e como tentaram fazer eu acreditar que eu era aquilo, porque eu não era, nunca fui. Agora eu sei. E que toas as crianças negras no Brasil saibam, a tempo, quão belas  e capazes de fazer coisas maravilhosas e edificantes elas são!
Salve o Povo Negro Brasileiro.

A Arqueologia da minha escrita

A primeira vez que tentei escrever, era criança ainda. Abri um diário, e ali pus-me a contar as façanhas dos meus dias de escola, das brincadeiras de rua, das piculas, as brigas com as colegas de classe,, as impressões que as lições novas iam emprestando à minha mente, à minha alma. Nesse ínterim ocorreu fato inusitado, minha amiga me chamou pra me ensinar uma brincadeira que uma moça havia ensinado a ela. Deitamos na cama e ela me ensinou esfregar seu monte de vênus no meu.  Foi uma sensação maravilhosa, ainda me excita lembrar! Achei tão bom que escrevi no meu diário. Pra quê? Minha irmã mais velha encontrou meu diário, leu meu diário para minha mãe, minha mãe não sabia ler nem escrever. Eu jamais poderia entender, àquela altura, por que estava sendo tão humilhada, massacrada, discriminada. Falavam que eu era mulher macho, as expressões eram tão vulgares e rebaixantes que deu um bloqueio aqui em minha mente agora, o que acho até bom, que nem me lembro do que falavam. Só não contaram a meu pai. Mas, para não contar a meu pai, eu era chantageada. Ate o dia em que meu pai descobriu! Aí o bicho pegou geral!. Fui arrastada pelos cabelos até a casa da vizinha e lá, de joelhos, aos pés dos pai dela tive que contar que fazíamos ousadia. Foi horrível. Considero então que este é o primeiro bloqueio que meu ser escritora  enfrentou.
A segunda vez que tentei escrever, já estava na Universidade, cursava filosofia, andava lendo os clássicos da filosofia, participava da fundação de um grupo anarquista, e me meti a escrever poemas numa agenda dessas bonitas que eu tinha, dessas que a gente ganha dos bancos.  À noite, em casa, estudando, uma noite li para minha mãe e minha irmã alguns poemas que havia escrito.  Um dia qualquer saí pra trabalhar e quando voltei o cacete estava armado. Minha irmã e minha mãe, que gostaram muito dos meus poemas, pegaram minha agenda para ler, na minha ausência, sem minha autorização, e lá, no meio de meus poemas, eu escrevera que havia me descoberto homossexual. Eu nem soube me defender, de novo, nesse escândalo, e mais uma vez meu ser escritora  voltou para as profundezas do meu ser.
Vale lembrar que, entre a primeira tentativa e a segunda, há um histórico de abuso sexual, onde fiquei de ré, não de vítima., inclusive té os dias atuais.
Pela terceira vez tento retomar a escrita, como forma de narrar minha história, minhas impressões sobre a vida. A criação destes blogs há mais de vinte anos, vem se arrastando preguiçosamente, num dilema dentro da minha alma, sobre esta retomada. Penso que fazer esta exposição, já é uma grande vitória, pois não vai ter problema ninguém encontrar os escritos, eu mesma já os expus. Considero uma vitória. A vida começa agora

A violência contra a mulher é uma das formas mais cruéis de atentado aos direitos humanos