terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O grito de Socorro das mulheres em Juarez


Ingrid de Vries
05-12-2008
"À meia-noite tocou a campainha. Estávamos deitados e nos vestimos rapidamente para atender à porta. Eram dois policiais. "São vocês os pais de Hester van Nierop?' O que ocorreu depois é indescritível. O mundo caiu sobre nós. ‘Temos que lhes contar algo terrível', disse a polícia. Hester está morta. Foi assassinada'. Desconhecemos os detalhes, mas aqui está o telefone da embaixada holandesa no México".
 
 "Grito de Socorro de Juárez"
Arsène van Nierop descreve assim em seu livro "Grito de Socorro de Juárez", como foi informada sobre a morte de sua filha Hester. É possível para uma mãe superar a morte de uma filha? Quem souber o que é ser mãe dirá que não. Arsène van Nierop nunca irá superar a perda de sua filha, no entanto, ela conseguiu tirar uma força incrível da sua desgraça, que a tem levado a ser capaz de ajudar a outras mães que enfrentam a mesma dor.
A luta de uma mãe
"Grito de Socorro de Juárez" é o testemunho da luta de uma mãe para conseguir justiça pelo assassinato de sua filha em Ciudad Juárez no México. Apesar de sua insistência ante as autoridades mexicanas, até agora, ela não conseguiu que o suposto agressor fosse levado a julgamento.
Hester era uma jovem de 28 anos, que acabava de terminar o curso de arquitetura. Havia viajado para o México para visitar a sua irmã e se dirigia aos Estados Unidos onde queria trabalhar alguns meses. Por azar escolheu Cuidad Juárez como lugar para passar a noite, antes de atravessar a fronteira.
Por razões totalmente desconhecidas, foi ao Hotel Plaza, onde, segundo testemunhas dos funcionários, teve uma discussão com um senhor, um tal Roberto Flores Reyes. Ninguém sabe até hoje porque ela subiu ao quarto dele. O corpo de Hester foi encontrado no dia seguinte, debaixo da cama de Roberto Flores, que já havia abandonado o hotel.
Uma vitima a mais
Graças à informação de uma jornalista holandesa, Arsène soube que sua filha era uma das muitas vitimas da violência contra a mulher naquela região mexicana. Em 2003, a Anistia Internacional prestou atenção ao feminicídio em seu informe anual e mencionou especificamente a morte de Hester. Este feito deu força a Arsène e sua família para entrar em contato com os meios de comunicação. Arsène viajou então a Juarez com uma equipe da televisão holandesa.
Em Ciudad Juárez Arsène conheceu Esther Chávez Cano, fundadora da "Casa Amiga", um refúgio para mulheres vítimas da violência doméstica e para familiares de mulheres e meninas assassinadas.
 
 Arsène van Nierop
Arsène decidiu criar uma fundação, que leva o nome de sua filha Hester, com o propósito de reunir fundos para a "Casa Amiga". Graças às doações e aos rendimentos das vendas do livro, a "Casa Amiga" pôde contratar uma psicóloga e uma pediatra para assistir às vítimas da violência de gênero e seus familiares em Ciudad Juárez.
O assassinato de mulheresDiversas organizações dedicaram atenção ao tema do assassinato de mulheres, entre eles a Anistia Internacional e a Radio Nederland Wereldomroep, que em cooperação com as agências humanitárias Oxfam/Novib organizou um seminário na Holanda e no México sobre o problema. Do seminário participaram inclusive representantes do governo mexicano. Em parte por conta dessa publicidade, o Parlamento Europeu se pronunciou, em uma sessão extraordinária, sobre o assassinato de mulheres na América Central. Muitos testemunhos, entre eles o de Arsène foram feitos durante a sessão.

Graças a toda essa publicidade em torno do tema, o governo holandês decidiu subvencionar a "Casa Amiga". Além do mais, a embaixada da Holanda no México subvenciona a investigação forense das vítimas.
A indústria "maquiladora" 
Em seu livro Arsène fala também da indústria maquiladora nas cidades fronteiriças do México, uma das muitas circunstâncias que contribuem para difícil situação das mulheres da região. Nestas indústrias são contratadas principalmente mulheres, porque trabalham duro e são mão-de-obra barata.
Entre essas empresas está a multinacional holandesa Philips. Arsène entrou em contato com a Philips, para perguntar sobre as condições de trabalho das empregadas da fábrica em Ciudad Juárez e para informar-lhes sobre o trabalho da "Casa Amiga". A multinacional assegurou a Arsène que trata bem a seus empregados e que paga mais que o salário mínimo. Na fábrica de Juarez, segudo a empresa, regem regras estritas e são tomadas medidas severas em caso de intimidação sexual.
"Como éramos felizes...""Que sorte temos, que felizes somos, era algo que repetíamos muito no passado, mas era em outra vida, uma vida já muito distante, quando tudo era normal. Quando não sabíamos o que era a dor. O assassinato de Hester mudou nossas vidas radicalmente. "A ingenuidade se perdeu para sempre".
"Mas conseguimos retomar nossas vidas. (...) Sigo sentindo dor, isso não desaparecerá nunca, mas somos capazes de encontrar bons momentos". Apesar da tristeza que emana, o livro é ao mesmo tempo esperançoso. Arsène deu voz a todas essas meninas e mulheres desaparecidas e assassinadas e agora na Holanda se escuta também o grito de socorro de Juárez.

cidade do silêncio


Centenas de jovens mulheres têm sido assassinadas com impunidade na última década em Ciudad Juárez e Chihuahua. Muitas foram raptadas e violentadas sexualmente. Muitas outras estão desaparecidas. Nos juntamos às mulheres de Ciudad Juárez e Chihuahua e seus familiares para pedir o fim da impunidade e a prevenção da violência contra as mulheres”, divulgou a Anistia em nota.
"No norte do México, estado de Chihuahua, fronteira com o Texas, nos Estados Unidos, há um lugar de nome “Cidade Juarez”. É uma cidade com cerca de 1.300.000 habitantes, cuja economia gira em torno de indústrias montadoras de equipamentos eletrônicos destinados a exportação, onde a maioria de trabalhadores são mulheres. Essas operárias são remuneradas com baixos salários, com eles sustentam suas famílias e tentam fugir da pobreza absoluta enfrentando um regime de trabalho de quase escravidão. Seria um lugar semelhante a muitos outros lugares sabidos do mundo onde  mulheres ainda são subestimadas em relação a sua força de trabalho. Não fosse um porém.  Cidade Juarez é uma cidade sob ameaça para sua população feminina, que vem sendo cruelmente aniquilada desde 1993. Segundo dados da Anistia Internacional, organização que promove a defesa dos direitos humanos em todo o mundo, de 1993 a 2006, 398 mulheres de Juarez foram assassinadas.A maioria dos casos de morte ou desaparecimento ocorreu quando as mulheres estavam indo ou voltando de seus trabalhos nas fábricas. Segundo informações não oficiais, há cerca de 600 mulheres desaparecidas em Juarez.
Para nos deixar ainda mais indignados, há o fato de que todos os cadáveres de mulheres  que foram encontrados revelam que foram elas foram vítimas de violências sexuais, mutiladas e desfiguradas e todas elas foram  estranguladas, sendo que nem todas  puderam ser identificadas. Pior. Ficaram desaparecidas por um dia e até semanas, até que o corpo fosse encontrado e, segundo exames, a maioria das mortes ocorreu dias após o desaparecimento, o que significa que passaram por momentos de tortura, de orgias sexuais e outros padecimentos.
Quando tomamos conhecimento de um fato dessa natureza, tão recente na história mundial, logo queremos saber se esses assassinatos foram investigados, se encontraram os culpados. Sabe-se que predomina  um grande silêncio na Cidade Juarez. Prevalece o medo. Quando foram encontrados os primeiros corpos, muitos deles irreconhecíveis, fizeram uma investigação,  um homem de origem egípcia foi acusado e condenado a 30 anos de prisão. No entanto, há indícios de que existem falhas no processo de julgamento dele, que sempre se disse inocente. Além disso, as mortes, ao invés de acabarem após a prisão do acusado, aumentaram.
Segundo um criminologista, pelo menos  60 assassinatos ocorridos  de 1993 a 1999, foram executados seguindo um padrão semelhante, por 2 matadores, da espécie de “serial killers”. (Uma vítima escapou, após ser raptada, torturda e abusada por dois homens, por ter sido tida como morta, após enforcada por um deles.) Mas, e os outros casos? _ indagam pessoas ligadas a Anistia Internacional. Os matadores cometem crimes por desejo de imitação? Por que razão os corpos são mutilados, desfigurados? Qual a razão de tanto sadismo, tanta brutalidade? Seriam rituais satânicos? Em troca de quê? Os assassinos seriam vendedores de órgãos? O que se tem como resposta mostra-se mais tenebroso........
Diversos depoimentos sigilosos apontam que os policiais do estado de Chihuahua ameaçam a população, têm ligação com alguma máfia de traficantes de drogas, de jóias ou de contrabandistas ou com falsos proprietários de montadoras de eletrônicos ou casas noturnas, com negócios de fachada. Enfim, tudo de mais podre que se pode imaginar entre seres (que deveriam ser) humanos. Sabe-se que jornalistas, advogados, juízes, pessoas que tentaram investigar sobre os homicídios de mulheres receberam ameaças de morte com a finalidade de desistirem de levar adiante a tarefa. Alguns foram assassinados. Sabe-se também que diversos  grandes empresários financiaram matadores de aluguel para raptar mulheres, para que eles pudessem usá-las em orgias sexuais e depois serem  mortas. O governo e a polícia coagem a imprensa que não denuncia esses horrores para o mundo e o povo da cidade, temeroso, cala-se.
Há usn 3 anos, um diretor de cinema americano, Gregory Nava, conhecedor dos casos ocorridos em Juarez, resolveu fazer um filme com a intenção de denunciar o fato ao mundo. Convenceu a cantora e atriz Jennifer Lopez a participar da produção e também como atriz, convenceu  também o Antonio Banderas. Outros atores mexicanos e espanhóis e a brasileira Sônia Braga também foram convidados a participar da gravação.Antes mesmo de ser realizado, o filme começou a incomodar. Muitas barreiras foram postas durante as filmagens, equipamentos foram destruídos e a equipe teve de trabalhar com proteção de seguranças. Lopez e Banderas não puderam filmar cenas em Cidade Juarez, devido a diversas ameaças.
Apesar da presença de Antonio Banderas e Jennifer Lopez no filme, o mesmo não conseguiu fazer grande sucesso, após seu lançamento mundial no Festival de Berlim, com o nome “Bordertown”. Suspeitam-se de bloqueios na rede de distribuição. No Brasil, o filme foi lançado recentemente em DVD, com o título “Cidade do Silêncio”.
Ontem vi esse filme, que não é uma grande produção, nem apresenta grandes  interpretações, mas traz a informação “este filme foi baseado em fatos reais acontecidos em Cidade Juarez, no México”. Fatos reais?........ Recentemente centenas de mulheres foram raptadas no caminho do trabalho, cerca de 400 foram encontradas mortas, mutiladas, deformadas e não há reais culpados no caso. Dezenas de corpos foram localizados em lugares desertos, em covas coletivas. Justificativas como “violência doméstica, criminalidade, uso de drogas, mulheres que caminhavam por lugares ermos” são dadas quando identificam corpos. São fatos tão duros para serem reais que me levaram a pesquisar, torcendo para que fossem fictícios, coisa de cinema....... Acontece que os fatos  são mesmo reais. O leitor pôde saber deles um pouco, no início deste artigo.  O mais triste. O cinema não chegou a mostrar o quão reais eles são.
Cidade do Silêncio (Bordertown) está aí para falar de enormes interesses econômicos em jogo, de empresas de fachada e governos que não se interessam por crimes cometidos contra seres humanos, unicamente para que seus negócios não sejam prejudicados. Está aí também para denunciar uma total impunidade que parece estar tomando conta de governos  e da  justiça do mundo inteiro. Será o que podemos fazer para que tais coisas coisa não mais aconteçam?

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Quem quiser saber mais a respeito do movimento “Anistia Internacional” pode pesquisar em: http:// www.br.amnesty.org/.
Comentários a respeito dos assassinatos de mulheres em Cidade Juarez estão disponíveis em diversos endereços na internet. É ler para crer.
Terezinha Pereira
Publicado no Recanto das Letras em 04/08/2007
Código do texto: T592490"

A violência contra a mulher é uma das formas mais cruéis de atentado aos direitos humanos