domingo, 12 de maio de 2019

Racismo no Brasil é uma Instituição

Família grande. Seis irmãos homens. Três  mulheres. A equação era tão complicada na cabeça de meu pai, que quando ele fez a casa, construiu para os rapazes um quarto grande, na parte de baixo, tipo um porão. Em cima, ficávamos nós, as moças, e os mais novos, além deles dois, o pai e a mãe.
Essa estrutura já dizia muita coisa da sociedade em que vivíamos. Os homens tinham entrada independente, as mulheres estavam sob a guarda do patriarcado.
Quando eu nasci eles já eram grandes, uns,  adultos, uns , namorando pra casar. Eles namoravam moças brancas, bonitas, e do bairro.  Naquela época, década de sessenta do século passado, o bairrismo era predominante, e se subisse um rapaz de outra comunidade, para visitar uma moça dali, ah, eles botavam pra correr! Já viu que coisa!?
Meu pai era negro e minha mãe era branca. Naquela época não havia essa ideia. Isso é coisa minha. Meu pai era considerado tipo um mulato. O que eu quero dizer é que , resultado disso, nós éramos uma família com pessoas de variados tons de pele e variadas  texturas de cabelo. Meu pai era alto e minha mãe era baixinha, então também tivemos estaturas distintas.
Meu Deus, foi uma bagunça! Imagine o Brasil há sessenta anos atrás: não tinha nem oitenta de abolição da escravidão! Se nos dias de hoje, o Exército brasileiro metralha com oitenta tiros o carro de um homem negro, inocente, com seu filho, sua esposa e seu sogro dentro, e o assassina, apenas porque ele era preto, como estava a situação de quem era preto há seis décadas atrás, diante da polícia, na escola, na família, na sociedade, para arranjar emprego, em todo o seu contexto político, social, econômico?
Durante muito tempo fiquei brigando com os apelidos que me botavam. Fiquei zangada para sempre, mas a zanga só machucou a mim mesma. Todos seguiram. Eu fiquei. Queria ficar ali, culpando-os. Mas eles foram vítimas também. Fiquei lá , emburrada, dentro de mim mesma, fiquei lá na  Nega Keketé, nega trubufu, nega pau de tifuti... eles eram todos mais claros que eu, e pensavam, então, que eram brancos, talvez ainda pensem. E acreditavam na superioridade dos brancos. Talvez ainda acreditem.  Eu não pensei nem acreditei, eu sofri os reveses e se me forjei rebelde, combativa, transgressora e, por fim, revolucionária, além de professora e mãe, não necessariamente nessa ordem.
Não, "Presidente", o racismo não é uma coisa rara no Brasil, como você cinicamente vituperou na TV, o racismo no Brasil é uma Instituição, que por séculos foi sustentada pela Igreja, pela Escola, pela Família, pelos Meios de Comunicação, pelas músicas, pelas telenovelas. Meu professor de Educação Moral e Cívica na 7a. série fazia chacota do meu nariz, e ele era negro também!
De uns anos pra cá, conseguiu-se  abrir o diálogo sobre racismo no Brasil. Livros, Conselhos, Organizações, ativistas do Movimento Negro, artistas, dando voz à negritude.
Mesmo assim, pretos, quando a polícia mata, ela só quer matar de penca!
Agora estou eu enfrentando de novo, tudo. Mas eu saí da Trubufu, abracei-a, beijei-a e a guardei amorosamente dentro de mim. Não me importa mais do que vocês me chamavam. Não importa mais o que pensavam de mim e como tentaram fazer eu acreditar que eu era aquilo, porque eu não era, nunca fui. Agora eu sei. E que toas as crianças negras no Brasil saibam, a tempo, quão belas  e capazes de fazer coisas maravilhosas e edificantes elas são!
Salve o Povo Negro Brasileiro.

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